Resoluções de final de ano
O blog do NTCR-Curitiba traz uma entrevista com a psicóloga Renata Cristina Gomes* sobre as famosas resoluções de final de ano. Afinal, por que as pessoas fazem promessas e traçam metas, mas não conseguem cumpri-las?
Por que o final de ano é a época mais comum para as pessoas fazerem promessas e resoluções para o próximo ano? O fim do ano é como o final de um ciclo?
Culturalmente, aprendemos a perceber o final do ano como o final de um ciclo, mas, ainda mais importante do que isso, do ponto de vista comportamental, como o começo de outro. Essa percepção é fortalecida pelo final/início do ano no calendário gregoriano (adotado no Brasil) e por inúmeros outros eventos que nos colocam sob controle da sensação de que um ciclo se encerra e outro se inicia: as comemorações de réveillon, o encerramento do ano letivo, o 13º salário, o IPVA, o IPTU, as férias etc. Esses eventos sinalizam que entraremos em contato com um novo ciclo e, consequentemente, uma nova oportunidade para nos comportarmos.
Aprendemos uma infinidade de coisas ao longo de nossa vida em situações de aprendizagem semelhantes ao que se convencionou chamar “tentativas discretas”. Nesse tipo de situação de aprendizagem, há pelo menos um estímulo ambiental que sinaliza evidentemente a ocasião para que o indivíduo responda e seja consequenciado. Em uma cobrança de pênalti, por exemplo, a cada vez que o juiz apita, o atacante tem uma oportunidade para fazer a cobrança e ser bem sucedido (fazer o gol) ou não (chutar para fora, chutar na trave, o goleiro defende). O início de um novo ano tem para nós função antecedente semelhante a do apito do juiz, sinalizando que se inicia uma nova tentativa para fazermos da nossa vida um gol.
Por que muitas pessoas não conseguem cumprir aquilo que prometem? Por exemplo, começar uma dieta, mas falhar com ela com o passar do tempo…
Vamos pensar na seguinte situação: dois amigos, João e Pedro, conversam após o término de uma aula de química em que o professor anunciou a data da prova para dali duas semanas. Pedro propõe que eles se reúnam no sábado à tarde para estudar o conteúdo e João concorda. Ao concordar, João está respondendo a uma variedade de fatores passados e presentes: experiência prévia com provas; desempenho alcançado em provas para as quais estudou e para as quais não estudou; o quanto Pedro é agradável; resultados que já alcançou estudando com Pedro; dificuldade do conteúdo para prova de Química; reação dos pais ou professores diante de um bom/mau desempenho; o fato de não ter nenhum outro compromisso programado para a data sugerida etc. No sábado, quando João efetivamente vai atender ou não ao convite de Pedro, as variáveis atuando sobre seu comportamento não são as mesmas. Além dos fatores apontados, eis que no sábado amanhece um belo dia de verão e João é convidado por um vizinho para passar a tarde na piscina. As condições agora são outras. A prova é só daqui a alguns dias, Pedro é um amigo compreensivo e as consequências por aceitar a proposta do vizinho são imediatas: diversão e alívio do calor. João acaba deixando o estudo para outro dia.
Esse exemplo ilustra uma dificuldade comum: comportar-se em função de consequências futuras quando fazê-lo concorre com consequências imediatas. As contingências operando quando alguém faz uma promessa não são as mesmas em vigor quando essa mesma pessoa precisa comportar-se para cumpri-la. Ao dizer, por exemplo, que em janeiro começarei uma dieta, é possível ser valorizado pelos amigos e familiares que apoiam essa resolução ou sentir-se mais aliviado pelos excessos gastronômicos cometidos nas festas de final de ano. Mas, fazer dieta é um processo que envolve comportar-se de maneira custosa e consistente para alcançar um resultado que aparece de forma lenta. É usual que as variáveis modifiquem-se no meio do caminho e que seja difícil para a pessoa continuar a comportar-se em função da meta atrasada quando as condições presentes (tentações culinárias, eventos sociais envolvendo comida etc) favorecem o comportamento impulsivo.
Há diferença entre uma resolução do tipo “fazer uma dieta” para uma promessa como “deixar de ser ciumento”? Se sim, como uma pessoa pode lidar diante de ambos os tipos de resolução?
Tanto uma resolução quanto outra implicam em mudança em uma série de comportamentos intricados que envolvem não somente o indivíduo que fez a promessa, mas o ambiente físico e as pessoas relevantes com as quais se relaciona quando se comporta da forma que deseja alterar (quando come demais ou expressa ciúmes, por exemplo). Essencialmente, ambas resoluções seriam do mesmo tipo, pois são comportamentos produzidos pelas contingências de reforçamento (CR) em vigor na vida das pessoas e que seriam alterados conforme alteram-se tais contingências. O primeiro passo, para os dois exemplos, seria identificar o que mantém hoje o comportamento indesejável (quais as CR operando).
Como ser persistente e ter força de vontade para conseguir levar sua resolução até o fim?
“Persistência” e “força de vontade” são palavras usadas quando se observam determinados comportamentos e sentimentos por parte dos indivíduos. Se uma pessoa não esmorece diante de dificuldades, variando seu comportamento ou insistindo até atingir determinado objetivo, diz-se usualmente que essa pessoa é persistente ou que tem força de vontade. Logo, tais supostas características também seriam produtos de CR, isto é: as pessoas se comportam de forma persistente ou com força de vontade conforme há contexto para que esse comportamento ocorra e produza consequências relevantes. Como descrito anteriormente, uma dificuldade comum encontrada a respeito das resoluções de final de ano é que elas exigem geralmente respostas muito frequentes ou custosas, que só produzirão consequências relevantes no futuro. Além disso, as respostas necessárias para cumprir as resoluções concorrem com outras respostas incompatíveis que produzem consequências mais imediatas. Como no exemplo da dieta, é preciso privar-se muitas vezes de determinados alimentos ou situações até que se chegue a um resultado satisfatório na balança. Uma forma de alterar essa condição e criar uma CR que favoreça a persistência (comportar-se em função do resultado atrasado almejado) é: estabelecer metas mais modestas (adiantar temporalmente a consequência final); gradualmente aumentar a exigência; programar consequências imediatamente reforçadoras para o comportamento persistente (trazer de alguma forma o futuro para o presente). É possível, por exemplo, ao invés de propor perder 10kg (o que implicaria muito tempo e esforço até que o resultado fosse atingido), sugerir perder 1kg por mês ou 250g por semana. Além disso, mediante a emissão dos comportamentos necessários para alcançar as metas (comer mais verduras, evitar frituras e etc), o individuo pode premiar-se de alguma forma ou registrar seus progressos em um sistema de pontos.
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* Renata Cristina Gomes é psicóloga graduada pela UFSCar e mestre em psicologia experimental pela USP. Atualmente, atua como terapeuta, professora e supervisora de atendimento clínico no Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR) em Campinas.