A mulher e a maternidade
A maternidade sempre esteve muito ligada à imagem da mulher. Antigamente, a função das mulheres na sociedade era casar e ter filhos, mas agora elas desempenham vários papéis como mãe, esposa, filha, profissional. Como encarar tudo isso? Será que a mulher ainda prioriza a maternidade? O que os homens pensam disso? Como a sociedade vê as decisões tomadas pelas mulheres? Para falar sobre todas essas questões, o NTCR-C entrevistou a psicóloga e especialista em análise do comportamento Thais S. M. Barros Rocha.
NTCR-C: É cada vez mais comum sabermos de mulheres que optam pela maternidade um pouco mais tardia, quase sempre em nome da vida profissional. Uma pesquisa feita no Distrito Federal mostrou que dobrou o número de mulheres que se tornaram mães após os 40 anos. Sendo assim, é possível afirmar que elas estão demorando mais tempo para se conectar com a maternidade e com tudo o que ela implica? O desejo de ser mãe está demorando mais para chegar ou existe a possibilidade de, em um futuro próximo, a sociedade possuir mais mulheres que não são e não pretendem ser mães?
Thais Rocha: Hoje em dia a ideia de que a maternidade não faz parte da essência da mulher está mais difundida e sendo mais imposta à sociedade por mulheres que preferem priorizar outras coisas, como a liberdade, ou a carreira em detrimento dos cuidados aos filhos; ou simplesmente não se sentem atraídas ou não se identificam com a ideia de procriar. A maternidade traz muitas mudanças na vida da mulher. Para aquelas que foram educadas para trabalhar fora, aquela mulher que estudou mais e tem boas expectativas em relação à sua ascensão profissional, lidar com as demandas da maternidade e as grandes exigências e dedicação do mercado de trabalho cria conflitos que retardam ou anulam a decisão de ser mãe. Muitas vezes, o ápice profissional se consolida por volta dos 40 anos, momento em que a mulher, por questões biológicas, deve ter clareza em relação à sua expectativa em ser mãe, ou não.
É fato que atualmente o número de mulheres que optaram por uma vida sem filhos aumentou em relação às gerações do passado, quando isso nem era visto como uma escolha e sim como o triste fim para aquelas que não conseguiam um casamento e, consequentemente, filhos. Em alguns países essas mulheres já são maioria.
NTCR-C: Antigamente, nossas mães, avós etc., dedicavam-se a cuidar da casa e dos filhos. Hoje, o mercado de trabalho está aberto às mulheres, que têm, assim, menos tempo para se dedicar ao lar. Como assumir tantos papéis: o de mãe, de dona de casa, de profissional, de esposa?
Thais Rocha: A tarefa de conciliar maternidade e carreira é um grande desafio para muitas mulheres, pois, na maior parte dos casos, se passa muito tempo no trabalho. O filho que passou o dia longe da mãe, ao encontra-la, quer ter atenção, brincar, conversar, enfim, quer ter carinho da mãe. Isso é fato, não tem e nem deve ser diferente, pois as crianças (e não somente elas) precisam desse afeto e atenção. Existem ideias e pensamentos hoje que colocam a mãe dentro de um papel ideal de perfeição. Aquela mãe que está sempre se antecipando às necessidades do filho, que não pode frustrá-lo, que consegue estar sempre bem e feliz ao lado dele, do marido, das amigas e dos colegas de trabalho. Isso gera sentimentos de culpa na mãe moderna, que sente que não faz nada direito e se sente cobrada de todos os lados para ser uma profissional bem sucedida, uma mulher antenada e bem cuidada, uma esposa impecável, uma mãe perfeita, uma filha sempre presente. Buscar o equilíbrio é o caminho, e talvez isso signifique assumir que a perfeição em todos esses aspectos seja humanamente impossível. É impossível ser a melhor profissional de uma área e a melhor mãe do mundo. Escolhas são necessárias e, claro, sempre vão implicar em perdas.
NTCR-C? A sociedade está mais tolerante com as mulheres que optam por retardar a maternidade e com aquelas que decidem não ter filhos?
Thais Rocha: A sociedade de modo geral tem dificuldades em concordar. É culturalmente mantida a tradição de se perguntar quando os filhos vêm para os casais que se casam, ou para as mulheres que já passaram dos 30 – embora não haja qualquer compromisso com essa pergunta-cobrança, ou seja, nem sempre quem pergunta será de alguma forma solidário nos cuidados da criança. Mas, tanto o retardamento da maternidade como a decisão de não se ter filhos, também são fenômenos culturais fortes. A sociedade não tem como não aceitar essas mudanças e isso é muito claro em países onde o número de mulheres sem filhos aumentou ao ponto de se pensar em políticas públicas de incentivo à maternidade. Tais políticas não são fortes o suficiente para reverter o quadro de declínio de maternidade, pois a mulher que optou por não ter filhos não necessariamente o fez por dinheiro ou falta de outros benefícios.
NTCR-C: A chegada de um bebê, de um novo membro na vida do casal, pode atrapalhar um relacionamento, no sentido que, se antes a atenção da mulher era para seu parceiro/a, agora é voltada para o novo bebê? Como a mulher pode lidar com essa “divisão de atenção”? E como o parceiro (a) pode lidar com esta nova estrutura familiar?
Thais Rocha: Pode atrapalhar e atrapalha muitos relacionamentos. E isso pode acontecer por muitos motivos. Desde o encantamento por parte da mãe com o bebê, até – o mais comum – por falta de consciência por parte de muitos casais de que as tarefas do cuidar e educar um bebê são muito mais prazerosas e menos pesadas se forem compartilhadas. Como isso nem sempre é claro, as tarefas recaem sobre a mãe. Quando o bebê em casa é visto com um bem comum, grande parte desses conflitos são bem administrados. A mãe precisa de ajuda e tempo para vivenciar outros papéis importantes como de esposa, de mulher. É muito comum encontrar no mercado produtos de cuidados para grávidas e novas-mães, como cremes e hidratantes com cheiro de coisas para bebê, como se a feminilidade, ou a até mesmo a sedução, não pudessem caminhar junto com a mulher enquanto ela está vivendo esse período. A mãe, por seu lado, precisa ter consciência de que será uma mulher melhor (em todos os seus papéis) se não criar um hiperfoco no bebê.
NTCR-C: Ao mesmo tempo em que existem mulheres que escolhem priorizar a vida profissional e tardar a maternidade, existem aquelas que se casam cedo e resolvem ser mães e donas de casa. Podemos afirmar que hoje a mulher pode escolher o seu papel dentro da estrutura familiar?
Thais Rocha: Assim como as mulheres influenciam cada vez mais a escolha na hora de comprar um carro, uma casa, ou os produtos do supermercado, há mais espaço para a opinião da mulher dentro da escolha da estrutura familiar. A questão da maternidade ou não, ou mesmo a redução do número de filhos hoje é uma mudança cultural significativa para o tradicional modelo de família e fortemente influenciada por mulheres, com movimentos iniciados a partir do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, nas universidades e com alguns direitos, como o divórcio. Muitos homens hoje fazem parte de uma geração que foi educada por mães que trabalharam fora de casa e isso também influencia a percepção sobre a parceira e sobre o próprio relacionamento, no sentido de uma maior abertura, aceitação e compreensão de ideias de ambos os lados.
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Thais S. Meira Barros Rocha é Psicóloga Clínica graduada pela UFSCar, São Carlos – SP. Especialista em Psicologia Comportamental pelo ITCR- Campinas -SP. Psicoterapeuta e supervisora-clínica do curso de Especialização em Psicologia Comportamental- ITCR Campinas.