Como aproveitar o tempo?
Atualmente, com a correria do trabalho, as pessoas não têm mais tempo para fazer o que gostam, as tarefas de casa, ou, até, praticar um hobby. A terapeuta, professora e supervisora no ITCR – Campinas Renata Gomes fala, em entrevista para o NTCR-C, como podemos gastar menos tempo com o trabalho e mais com nós mesmos e, consequentemente, levar uma vida mais saudável emocional e fisicamente.
NTCR-C: Estamos cada vez mais vivendo na época do “tempo é dinheiro”, priorizando o trabalho e não tendo tempo e/ou disposição para as tarefas de casa ou aquelas que gostamos de fazer. Como gastar menos tempo com o trabalho e mais tempo consigo mesmas?
Renata Gomes: O ponto aqui não seria necessariamente gastar menos tempo com o trabalho (o que, na prática, é muitas vezes impossível, a depender da ocupação profissional exercida), mas sim tornar o trabalho mais uma das “tarefas que gostamos de fazer”. De fato, a maioria dos membros da nossa sociedade ocidental capitalista passa boa parte de seu tempo no trabalho. Frequentemente as pessoas encontram-se ansiosas, executando tarefas e antecipando aquelas que ainda terão que cumprir. É comum vermos pessoas com agendas repletas de atividades e exigências cada vez maiores sobre o número delas que devem ser capazes de conduzir simultaneamente (quantas abas você mantém aberta em seu navegador, por exemplo?). Enfim, excessivas coisas a serem realizadas, muitas vezes em um único dia. Esse é um fenômeno cultural que vem se intensificando e a principal fonte do sofrimento envolvido nesse processo é aquilo que justifica o uso dos termos “ter” e “dever”: o controle coercitivo[1].
Skinner[2] já alertava que “Quando as pessoas trabalham somente para evitar perder um emprego, quando estudam somente para evitar reprovação, e tratam bem umas às outras apenas para evitar censura ou punição institucional, as contingências ameaçadoras se generalizam. Parece sempre que deve haver alguma coisa que seria preciso estar fazendo. Como resultado, pouquíssimas pessoas conseguem simplesmente não fazer nada. Elas conseguem relaxar apenas com a ajuda de sedativos ou tranquilizantes, ou pela prática deliberada de relaxamento. Conseguem dormir apenas com a ajuda de pílulas para dormir, das quais bilhões são vendidas no Ocidente todos os anos. As pessoas ficam intrigadas, e até invejosas, quando veem outras se sentindo bem não fazendo nada, em países menos desenvolvidos.”. Logo, um caminho para investir mais tempo em si mesmo é exercer uma atividade profissional na qual você se engaja, pelo menos em grande parte do tempo, porque esta lhe traz prazer, satisfação, realização pessoal etc, e não porque sente-se coagido a desenvolvê-la para evitar consequências aversivas.
Todas as ocupações profissionais têm seus revezes, mas aquele que desfruta do que faz lida melhor com eles. Entretanto, mesmo aqueles que trabalham no que gostam podem sofrer com a carga horária excessiva que os forçam a privar-se de outras atividades igualmente desejáveis. Nesse caso em que o trabalho, apesar de prazeroso, concorre diretamente com outros aspectos importantes da vida do indivíduo, é possível:
- Repensar a necessidade de tal carga horária (“É realmente necessário que eu passe tanto tempo trabalhando ou estou sendo excessivamente responsável ou exigente?”, “Estou sendo hábil em delegar tarefas?”, “Seria possível trabalhar menos e adequar o orçamento doméstico a isto?” etc);
- Desenvolver estratégias de planejamento e autocontrole que visem otimizar o tempo no trabalho e, consequentemente, diminuí-lo (organizo as tarefas, defino prazos e estabeleço metas claras a serem atingidas diariamente e semanalmente, de maneira a garantir o resultado final sem sacrifício desnecessário; reduzo o tempo em atividades intervenientes – por exemplo, pausa para cafezinho, navegar nas redes sociais ou checar emails pessoais – definindo como critério que tais atividades só poderão ser realizadas, por um período determinado, após o cumprimento de algumas metas estabelecidas (tal estratégia é baseada no “princípio de Premack”[3]). A duração desse período ou o número de metas a serem atingidas dependeriam do volume de trabalho a ser executado e da produtividade média de cada um.).
- Reconhecer que as atividades que vêm sendo negligenciadas são importantes e necessárias para vida saudável, elegendo um horário em sua rotina para inseri-las, da mesma forma que faria com outro compromisso qualquer (determine-se, por exemplo, a não trabalhar aos finais de semana ou após às 20h, salvo exceções inevitáveis).
NTCR-C: Quando temos tempo para fazer atividades de que gostamos, consequentemente desenvolvemos todas as outras de uma forma mais eficaz? Por quê?
Renata Gomes: Sentimento é produto da contingência de reforçamento na qual estamos inseridos. Isto é, o sentimento muda de acordo com as relações de dependência estabelecidas entre aquilo que o indivíduo faz e as mudanças em seu ambiente. Quando alguém executa uma atividade que gosta (pintar, por exemplo), produz alterações em seu ambiente (nesse caso, pinceladas na tela compondo imagens) que: aumentam a probabilidade de voltar a comportar-se de maneira semelhante em contexto equivalente no futuro e geram sentimentos de bem-estar. Logo, o indivíduo que tem acesso a oportunidades de produzir alterações que lhe são relevantes em seu ambiente, não somente torna-se mais propenso a agir, como sente mais disposto. Expor-se às tarefas que gostamos contribui para o aumento da variabilidade comportamental e da chance de generalização daquilo que foi aprendido para contextos novos.
NTCR-C: Não ter tempo para fazer o que gosta pode afetar emocionalmente uma pessoa? Que consequências isso pode trazer?
Renata Gomes: De uma maneira geral, se as pessoas comportam-se pouco, produzem pouco e, consequentemente, sentem-se deprimidas ou apáticas. Pessoas que comportam-se muito, mas prioritariamente inseridas em contingências coercitivas nas quais são impelidas a comportarem-se em função de fugirem ou esquivarem-se de aversivos (ou seja, pessoas que principalmente fazem o que precisam, mas não fazem ou ao tem tempo para fazer o que gostam), geralmente podem sentir-se ansiosas, irritadas, impotentes, exaustas. Longa exposição a condições desse tipo pode também gerar comportamentos e sentimentos depressivos.
NTCR-C: A maioria das pessoas acha que precisa descansar e não fazer nada no tempo livre. Ter um hobby e usar esse tempo livre para praticá-lo é mais benéfico e eficiente como descanso do que não fazer nada? Por quê?
Renata Gomes: Ambas as opções podem ser igualmente benéficas, a depender de algumas variáveis como: nível de cansaço do indivíduo, variedade de atividades que costuma usualmente executar, condições sob as quais executa tais atividades – por prazer ou obrigação, etc. Uma pessoa que normalmente vive uma rotina agitada e diversificada pode desfrutar mais de um período ocioso. É importante lembrar que divertir-se também tem um custo de resposta e pode ser exaustivo (Quem nunca se sentiu, por exemplo, muito cansado depois de um dia visitando lugares novos?). Por outro lado, alguém inserido em uma rotina repetitiva – de casa para o trabalho e vice-versa – pode beneficiar-se mais da prática de um hobby. O quanto cada uma dessas opções será mais ou menos benéfica e eficiente varia de acordo com cada indivíduo e com cada situação específica na qual este indivíduo se encontra.
NTCR-C: Há diferença entre realizar uma atividade “solitária” (ler um livro) e uma atividade “coletiva” (praticar um esporte)?
Renata Gomes: Certamente. Consideremos o seguinte exemplo, envolvendo a mesma atividade: dançar. Um dançarino solitário não responderia imediatamente à avaliação do outro (logo, não deixaria de testar um movimento novo para esquivar-se de falhas e consequentes críticas) e entraria mais diretamente em contato com as consequências naturais (intrínsecas) de seu comportamento de dançar (mudanças posturais, passos de dança executados, diferentes sensações corporais etc). Produziria mudanças relevantes em seu ambiente e discriminaria que é capaz de produzi-las, o que favoreceria sentimentos de autoconfiança e autonomia. Em contrapartida, quando alguém dança em companhia de outras pessoas, apesar de expor-se à avaliação arbitrária dos pares, teria acesso a: consequências prazerosas das interações sociais (por exemplo: elogios, atenção, contato físico); modelos de comportamento que poderiam ser reproduzidos (aprenderia observando os colegas dançando); instruções diretas de como comportar-se; e feedback a respeito do desempenho apresentado (desenvolveria consciência de seu próprio comportamento a partir de sua interação com os demais). As atividades solitárias ou coletivas têm vantagens e desvantagens e, mais uma vez, sua indicação dependeria dos objetivos específicos que cada indivíduo almeja. De maneira geral, recomenda-se um equilíbrio entre elas.
[1] Para mais sobre controle coercitivo, ver: Sidman, M. (2011). Coerção e suas implicações. Campinas: Livro Pleno.
[2] Skinner. B. F (1987). What is Wrong with Daily Life in the Western World? in: Skinner, B. F. Upon Further Reflection. Englewood Clifs (New Jersey): Prentice Hall, p.15-31. Versão traduzida disponível em: http://www.terapiaporcontingencias.com.br/textos_skinner.html
[3] D. Premak, ‘Reinforcement Theory’, Proceedings of Nebraska Symposium on Motivation, Lincoln: University of Nebraska Press, 1965.
Parabéns Renata Gomes, pela entrevista. Concordo com tudo. Beijosss