Os desafios da adoção
Ter um filho adotivo é, em muitos quesitos, como ter um filho biológico: exige amor e responsabilidade. No entanto, famílias com filhos adotivos ainda sofrem preconceito no Brasil, embora o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) mostre que o número de pessoas interessadas em adotar crianças independente de sua raça aumentou 37,75% de dezembro de 2010 para dezembro de 2012 e diversas pesquisas internacionais divulguem que não há diferenças no comportamento ou desempenho escolar entre filhos biológicos e filhos adotados.
O Blog do NTCR-C entrevistou a psicóloga Thais Barros, que falou sobre os desafios da adoção.
NTCR-C: Adotar uma criança é um processo bastante burocrático e demorado no Brasil, que causa muito estresse (e, muitas vezes, frustrações) às famílias que estão na fila de espera e precisam passar por todo este trâmite. O que este estresse causa às famílias? Como lidar com este processo? Quais aspectos podem influenciar nas questões comportamentais e emocionais das crianças durante o período que permanecem nos abrigos?
Thais Barros: De fato, o processo de adoção nem sempre é rápido ou simples. O tempo varia de uma cidade para outra e de acordo com o perfil da criança escolhido pelos pais. O perfil mais escolhido é o da menina, recém-nascida, branca, com estado de saúde perfeito. Nesses casos, o processo pode levar por volta de cinco anos de espera, considerando que essas características não correspondem ao perfil da maioria das crianças que entram para a adoção.
Se a adoção for de uma criança mais velha – no caso de crianças com mais de três anos a adoção é considerada tardia, o tempo é consideravelmente menor, mas também varia de acordo com o perfil escolhido pelos pais (crianças com mais idade, problemas de saúde, ou com muitos irmãos, geralmente não são escolhidas). Poucos processos são finalizados em menos de um ano.
Esperar sempre gera angústia e ansiedade. Grande parte dos pais que opta pela adoção já tem um histórico de tentativas frustradas de ter um filho. Para estes, que já passaram por uma infinidade de especialistas, exames e procedimentos complicados, dolorosos e caros, por um tempo considerável, a frustração muitas vezes vem acompanhada de sentimentos de tristeza, depressão, impotência, advindos dessa incapacidade de gerar um filho biológico. Tal histórico agrega mais sofrimento na espera pelo processo de adoção.
Do ponto de vista da criança, a condição de não ser filho também gera impactos. Nem sempre conseguimos nos colocar na situação de não sermos filhos. Mesmo no caso de pais falecidos, nos parece que ser filho é uma condição eterna, perpétua, perene. A questão é que todos podem ser gerados, mas nem todos são adotados, nem mesmo pelos próprios pais biológicos – que não o fazem pelos mais diversos motivos, que não nos cabe avaliar aqui. Lidar com o abandono é um desafio, que pode ser administrado com amor familiar, com cuidados, com compreensão, como suporte profissional. Muitas vezes se fala da adoção para os pais, mas nem sempre se pensa na adoção para a criança com a mesma tônica. Por uma questão talvez cultural, que acredito que poderia ser sanada com a produção mais expressiva de eventos, cursos, pesquisas, revistas, congressos, seminários, para que o assunto ocupasse mais espaços públicos.
Não acredito, de modo algum, que os pais devam adotar uma criança com a ideia de tomar uma atitude “politicamente correta”. É dever do Estado atender aos que necessitam de abrigo. Mas, ainda existe muita preocupação, preconceitos e dúvidas, mitos e fantasias em relação à adoção.
NTCR-C: Em muitos casos, a adoção é a opção para quem deseja ter filhos, mas não pode tê-los por meios biológicos. Como lidar com esta situação de frustração (“não posso ter filhos”) versus a situação de esperança (“posso adotar uma criança”)?
Thais Barros: Muitas pessoas, pelos mais diversos motivos, podem não conseguir ter filhos biológicos, mas isso não lhes tira a possibilidade de terem filhos. Adotar é uma possibilidade de vivenciar a maternidade/paternidade e é comum que essa possibilidade gere dúvidas e medos, tais como “como posso saber se será uma criança saudável, se não sabemos como foi o pré-natal?”, “será que vou cuidar do filho adotado como cuido do meu filho biológico?”, “e se a criança crescer revoltada?”, “e se ela sofrer preconceito na escola?”, “e a questão herança dos comportamentos dos pais biológicos?”.
A família que considera a adoção como uma possibilidade, antes de qualquer coisa, deve estar preparada para receber um filho e com ele, todas as demandas que isso envolve. Além disso, deve se preparar para a adoção, obviamente, conversando com outras pessoas que adotaram, a fim de observar outras experiências, participando de grupos de discussão sobre o tema, enfim devem buscar o máximo de informações a respeito.
Após tomada a decisão, a família, ou interessado – lembrando que solteiros também podem adotar, deve procurar o Juizado da Infância e da Juventude para entrar no processo.
NTCR-C: Por que ainda é baixo o número de casais que optam por não adotar crianças mais velhas? Quais aspectos poderiam estar influenciando na relação em não adotar crianças que não são mais bebês?
Thais Barros: Existem muitos aspectos relacionados a essa decisão, nem pretendo conseguir citar todos. De forma geral, muitos pais preferem um bebê e os escolhe com o perfil semelhante aos seus, para sentirem-se menos expostos perante à sociedade, tentando buscar mais tranquilidade na criação daquele filho, que sendo “parecido” (inclusive por ter crescido naquela família), sofre menos discriminação.
Não significa que, aqueles pais que não escolhem nem idade, nem cor, serão melhores pais. Estes devem, provavelmente, estar mais preparados para enfrentar os desdobramentos dessa escolha.
Há mais preocupação por parte dos pais em relação à adoção tardia por essa criança, ou adolescente, já ter acumulado uma história de vida com possíveis sofrimentos, perdas, incertezas, personalidade formada dentro de uma instituição, convivência com a família biológica etc.
Existem pesquisas europeias e americanas que apontam para a um excesso de distúrbios de adaptação no grupo das crianças adotadas, se comparadas com a população em geral, que podem estar relacionados a fatores biológico e sociais (gravidez e experiência pré-natal em lares desfavorecidos, perdas de figuras de afeto, adoção depois de viver em instituições, estigma social que envolve adoção, fatores genéticos que predispõe à psicopatologias etc). Os problemas emocionais e escolares dependem de uma pluralidade de variáveis que interagem em conjunto, tornando difícil o isolamento de variáveis como genética, pré-natal, reações à separação da mãe biológica, idade da adoção, tempo em instituições, atitudes dos pais adotivos etc.
NTCR-C: Quais os desafios do casal quando, finalmente, a criança chega a seu lar? Quais seriam os determinantes para a construção de uma boa relação entre pais e filhos que passaram por um processo de adoção?
Thais Barros: Os determinantes para a construção de uma boa relação são os mesmos para os pais adotivos e biológicos: amor incondicional, dedicação, tempo, compreensão, transparência, doação, enfim… O que muda de uma família biológica para uma família adotiva é o modo como ela foi formada e não são os laços de sangue que garantem uma boa relação.
O que é inevitável é a questão do preconceito, que é grande e a família precisa estar preparada para entender e lidar com essas situações. O preconceito e a falta de informação aparecem nas brincadeiras, quando se diz que aquele filho mal comportado deve ter sido adotado, ou com ideias do tipo “uma hora, filho adotado dá problema”. No Brasil, a falta de estudos científicos a respeito do tema alimenta mitos e cria estereótipos com a divulgação generalizada de casos de adoção malsucedidos por veículos de comunicação, ou por especulação do boca-a-boca, isso associado à supervalorização dos laços de sangue.
Pesquisas brasileiras recentes, que compararam famílias com filhos biológicos e com filhos adotados, em geral não encontraram diferenças acentuadas em relação aos dois grupos, quando se compararam problemas de comportamento, tais como agressividade, ou problemas escolares, como desatenção (queixas mais comuns nos dois grupos). Também não foram encontradas diferenças significativas em estudos que compararam nos dois grupos, aspectos como, afetividade e cooperação entre pais e filhos. Pesquisas europeias que compararam grupo de crianças adotadas, com grupo de companheiros dessas crianças, também não observaram resultados discrepantes em relação à problemas de comportamento, auto estima e rendimento acadêmico.
De forma geral, pesquisas brasileiras mostram que famílias com filhos adotados no Brasil vão bem.
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Thais Barros é Psicóloga Clínica, graduada pela UFSCar, São Carlos – SP. Especialista em Psicologia Comportamental pelo ITCR- Campinas -SP. Psicoterapeuta e supervisora-clinica do curso de Especialização em Psicologia Comportamental- ITCR Campinas.
E-mail: thaissmbarros@yahoo.com.br