Existe amor ideal?

amor ideal

Afinal de contas, o príncipe encantado dos contos de fada existe? Vale à pena esperar pelo parceiro ou parceira perfeito/perfeita? O Blog do NTCR-C conversou sobre essas questões com a psicóloga Renata Cristina Gomes, especialista em análise do comportamento pelo ITCR-Campinas.

NTCR-C: Durante a infância, as meninas (mais que os meninos) são expostas às histórias de princesa e seu príncipe encantado. Isso pode fazer as meninas crescerem achando que para ser feliz é preciso encontrar um príncipe encantado? 

Renata Gomes: Essa pode ser uma das variáveis, mas é simplificar demais acreditar que as altas expectativas são geradas simplesmente por contos de fadas. São geradas por um conjunto complexo de fatores, derivadas das relações funcionais estabelecidas nas interações entre o indivíduo e seu ambiente ao longo de sua vida (os analistas do comportamento chamam a isto “história de contingências de reforçamento”). A mesma história com um final do tipo “felizes para sempre”, por exemplo, pode ser apresentada a duas meninas e ter funções muito distintas para ambas. A primeira pode ouvir a história da boca da avó que lhe é muito querida, antes de adormecer, ao mesmo tempo em que recebe um cafuné. A avó enaltece o príncipe e faz comentários que enfatizam a importância de “encontrar um homem cavalheiro que a trate como uma princesa”. A segunda menina lê a história sozinha em seu quarto, enquanto ouve os pais discutindo exaltados no quarto ao lado. Não é de se admirar que o tipo e a intensidade do impacto que a história pode causar sobre as meninas seja bem diferente. A primeira menina provavelmente ficará mais inclinada a comportar-se sob controle de regras que aumentam sua exigência com relação aos parceiros, enquanto que a segunda pode discriminar que as histórias não reproduzem a realidade, mas, ainda assim, recorrer a elas para fugir dessa mesma realidade que lhe é aversiva. O exemplo apresentado nem de longe contempla a complexidade do assunto e a miríade de variáveis possíveis, mas ajuda a dar-lhes a devida dimensão. O mesmo exemplo poderia, inclusive, ser aplicado pensando-se em uma única menina, que seria exposta a mesma história nesses dois contextos distintos. Imagine que efeitos então isso poderia ter! Na prática, é isso que ocorre: somos expostos a muitas experiências, que para nós assumem diversas funções, e é a soma disso que hoje explica a forma como nos comportamos. Homens e mulheres que têm altas expectativas relacionadas ao parceiro geralmente são pessoas que têm altas expectativas em outras áreas e relações de suas vidas (às vezes até consigo mesmos). Levam consigo o sentimento perene de insatisfação, infelicidade. Entender a história de contingências de reforçamento que produziu esses padrões é importante, mas fundamental é identificar e alterar as condições presentes que os mantêm. Não basta entender que é hora de deixar de esperar o príncipe encantado ou a princesa, é preciso criar condições para que seja possível fazê-lo.

 

NTCR-C: Homens e mulheres desejam e procuram este amor ideal na mesma medida?

Renata Gomes: É complicado colocar essas questões em termos de gênero, pois esse tipo de desejo ou procura não é fundamentalmente relacionado à herança filogenética e nem tampouco derivado somente de papéis culturais. Tem grande peso a história do próprio indivíduo (ontogenética). Logo, é razoável supor que homens e mulheres estão igualmente sujeitos aos mesmos dilemas amorosos no que concerne o amor ideal. Haja vista o número de canções e poemas, por exemplo, escritos por autores de ambos os sexos, e que narram a busca por esse amor. O que observo em algumas situações é que os homens podem ser mais socialmente punidos (criticados, condenados) por explicitarem esse desejo, ao passo que as mulheres podem ser mais cobradas, em contrapartida, caso não o façam.

 

NTCR-C: Quem acredita e procura o amor ideal pode se frustrar? Se sim, como lidar com essa frustração?

Renata Gomes: Sim. Assim como também pode se frustrar (e muito) quem parte do pressuposto de que o amor é falível. Como coloquei, as funções que os eventos têm para os indivíduos variam muito e o que é aversivo ou frustrante para um pode não ser para outro. Uma pessoa, sob controle de suas autorregras que descrevem o amor ideal pode, por exemplo, ficar muito mais atenta àquilo que o outro tem a lhe oferecer, os aspectos mais reforçadores da relação e, justamente assim, frustrar-se menos. Quem dera houvesse uma formula específica para lidar com as frustrações ou para que pudéssemos avaliar de antemão se é o caso da pessoa ter mais tolerância à frustração ou deixar de submeter-se a uma relação que lhe é claramente prejudicial! Infelizmente, não há. Mas existem algumas pistas. Se ninguém é bom o suficiente, então claramente há um excesso de exigência e descrença por parte da pessoa que faz essa avaliação tão negativa. Se, por outro lado, há insistência em permanecer ao lado de alguém que não tem sido bom, na esperança de que esse alguém vá passar a apresentar um comportamento “ideal”, mesmo sem nenhum indicio concreto de que tal mudança possa ocorrer, parece haver então um excesso de tolerância (e ingenuidade). Em ambos os casos, é preciso rever exatamente em quê estão baseadas as expectativas que se tem sobre o parceiro e sobre o amor, como tais expectativas interferem hoje nas demandas que eu tenho sobre o outro e na forma como eu consequencio seus comportamentos. “O quanto tenho valorizado explicitamente meu parceiro ou feito coisas por ele? O quanto o cobro ou critico? Minhas expectativas a respeito da relação a dois estão claras para mim? E para meu parceiro? Ainda: meu parceiro valida tais expectativas e parece tentar atendê-las em alguma medida?” – São algumas questões que podem ajudar a avaliar o contexto e direcionar estratégias para evitar ou lidar com a frustração.

 

NTCR-C: Essa procura por um amor perfeito é uma das causas de relacionamentos não duradouros?

Renata Gomes: Certamente. Altas exigências e expectativas podem ser condições relevantes para o desgaste de relações ou mesmo para que as pessoas não se permitam aproximar-se o suficiente de outras, impedindo inadvertidamente que uma relação amorosa significativa possa se desenvolver. Não existem relações perfeitas ou amores perfeitos. Existem sim lindas relações de amor, que envolvem parceria, comprometimento, tolerância à frustração e muita sensibilidade ao outro, de ambas as partes.

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